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março 23, 2010

HOLOGRAMA (Um Prosimetrum sci-fi)

“Holograma”




Com seus parcos recursos, morando distante dos Núcleos de Segurança, aquele colapso da energia desconfigurou-lhe em sua noção de pertença, de conexão mínima com os seres de qualquer natureza. Prudência, Mitcei!, ruminava. Sensação de cessação...
Dos medos, o da putrefação de suas provisões, parcas, e dos micro-organismos morais que o assaltariam, puntiformes ou em bloco, precavia-se com algas e mantras. Plantou em si alguma ira. Medo e raiva que se excluíssem mutuamente. Dormiu.
O que o despertou de um sono branco foi a barulheira do silêncio. Um silêncio geométrico e pantanoso conspirava por onde quer que a vista tocasse. E que o tocava também; pupilas dilatadas, turbulência circulatória – serpentário virtual, onipresente.
Tempo e silêncio, este binômio do luxo e privilégio de castas predatórias, pois sim, mas Mitcei sabia que a falta deste era suportável pela impossibilidade daquele.Acuado, viu-se refletindo como filósofo. Refletir, agora, – outro luxo. Agir, sim.
Refazer o trajeto civilizatório, recuperar tecnologias – agir com as mãos, esculpir objetos! Então, reaver imagens que confirmassem sua condição humana, de civilidade, ainda que parca, porque ele era assim recluso, refratário aos elos civilizados.
Usou resina antiga para moldar uma dançarina com espátula – ei-la! Tosca, porém – tangível, direto de sua imaginação sedentarizada. Mitcei apelidou-a: Altamira. Arriscou-se a capturar algo de Sol, na falta do laser, e da reconstrução do campo óptico dentro de um cilindro surgiu a holografia de Altamira, posta em pedestal. Não se movia, não dançava a dançarina; caberia a ele orbitar à volta dela, recitando os mantras que ela lhe inspirasse, oscilante como os feixes de luz solar. Teve alucinações; pensou ouvi-la recitar.
Às vezes pensava no seu tarefário, no tudo que deixara de fazer. Prudência, homem! E desabava soterrado pelo dever de fazer, de plantar. Por quanto tempo essa inflação de tempo? E cessada a cessação, que outra sensação?
Masturba-se às vezes, noutras, deambulava a esmo pelo iglu que recobriu de lã sintética. Às vezes, apavorado e desnutrido, esbarrava em vultos. Por onde teriam violado seu recanto? Teriam descoberto Altamira? Altamira sequestrada, dessacralizada?
Armou-se, inflamou a ira para neutralizar o medo. Altamira suplicou-lhe proteção, já não mais recitava nunca! Retirou-a do cilindro, destruiu o pedestal e o campo óptico. Envolta em celofane, pensava ouvi-la sussurrando, como se privada dos sentidos.
A espessura daquele silêncio...O espectro da insanidade. Quanto tempo dura uma privação assim? Um fenômeno global? Dariam falta dele, o Mitcei refratário, recluso?Saberiam da tutela de Altamira que sussurrava entre suas luvas congeladas? O fim?
Uma draga que percorria a região pousou à distância segura. Pandemia de malária, nômades revoltosos, vazamento radioativo...sabe-se lá. Do interior do sítio, murmúrios indecifráveis. Alguém registrou (à margem): “Assemelha-se à cantiga de ninar”.

{Publicado originalmente em Portal Stalker, ed, esgotada e no blogue coletivo www.e-chaleira.blogspot.com em minha coluna Brevidades}

março 05, 2010

FRAGMENTÁLIA - A Genitália do Fragmento [Coluna do blogue DE CHALEIRA]

FRAGMENTO TEÓRICO I
Por Marco A. de Araújo Bueno


Prezados Senhores: Universidade Harvard, Camdridge, Mass, conferências Norton, ano letivo de 1985-1986, em meio às considerações sobre a rapidez, Ítalo Calvino refere-se a Borges e Bioy Casares, assim: - “(...) organizaram uma antologia de Histórias breves e extraordinárias. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de uma só frase, ou de uma linha apenas, se possível. Mas até agora não encontrei nenhuma que supere a do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí [Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá]”. Eram as “Seis propostas para o novo milênio”, das quais, a última, Calvino levou consigo; sua morte interrompera conjecturas preciosas sobre a narrativa. Um limite, limite que excitaria a imaginação de escritores e leitores, estes seres que protagonizam a angústia da escrita (face às escolhas a que os obriga) ou a ela submetem-se de alguma forma (face à interpelação suscitada) neste peculiar processo de abertura ao infinito das imaginações.Todo este processo, tributário das condições basilares da existência do animal da fala: sua finitude e sua inserção nos “bosques da ficção” no caso e no reino do simbólico, no geral. A propósito, com esta metáfora do bosque, Umberto Eco intitula suas seis conferências de Norton, ano letivo de 1994, recobrindo a “literatura-bosque”, a homenagem ao amigo falecido e a questão, aqui fundamental, da presença do leitor na história narrada. Trata-se, portanto, aqui, de um estudo que tematiza o efeito da escrita, muito especialmente, de uma modalidade de escrita – a interrompida, esta que é deliberadamente sustada para suscitar um efeito no leitor. Epifania - assim tratarei da idéia de efeito; narrativas monofrásicas tecidas com dez palavras - assim consignarei metodologicamente, a guisa de ilustração das possibilidades de tessitura de peças narrativas brevíssimas, o desejo expresso por Calvino, no bojo da hipermodernidade, tal como a descreve o filósofo francês Gilles Lipovetsky; em pleno novo milênio. Calvino dizia que sua obra “(...) se compõe em sua maior parte de short stories”; segundo ele, questão de “temperamento” pessoal. Há, quanto à extensão, evidências de que a prosa literária vem rendendo-se a um processo de redução formal ao longo do tempo. Neste início de milênio o termo usado por Calvino para definir sua predileção pela brevidade não se aplica ao seu próprio “As Cidades Invisíveis”, com a mesma concepção com que se aplica à idéia de conto. E ainda que brotado no século XIX, com certidão de nascimento estadunidense, traz consigo um entusiasta defensor, prescritivo, já em 1847(escrevendo sobre os contos de N. Hawtorne) de cânones que rejeitam o “juízo nefasto de que a simples extensão de uma obra deva pesar na estimação de seus méritos”. Seu nome – Edgar Allan Poe; Suas propostas ponderavam a ‘aparição’ das revistas, dos jornais, a dimensionarem a percepção literária face ao progresso dos novos tempos. O presente estudo o convoca, oportunamente.
Até o próximo domingo;

DROPS TEÓRICOS : "UNO DECÁLOGO"

Por ( pequeno suspense metodológico...)

En el “Decálogo del escritor” de Monterroso, incluido en su libro Lo demás es silencio (1978), se reconoce la referencia metatextual del Decálogo del perfecto cuentista de Horacio Quiroga (1925), y la referencia architextual de los doce mandamientos de la Ley de Dios. A toda esta fábrica de intertextualidades se suman “Los diez mandamientos del escritor”, microcuento del uruguayo Fernando Aínsa. {De livro e autor que oportunamente citerei; sintam um pouco da rarefação teórica sobre o gênero. Menos é mais, mais ralação!}


1.-Te amarás a ti mismo sobre todas las cosas.
(Amarás a si mesmo acima de todas as coisas.)

2.- No mencionarás el nombre de Borges en vano.
(Não mencionarás o nome de Borges em vão.)

3.- Seis días descansarás y uno escribirás.
(Seis dias descansarás e um escreverás.)

4.- Te inventarás tu propia filiación literaria.
(Inventarás sua própria filiação literária.)

5.- Si cometes parricidio generacional, será con pudor y disimulo.
(Se cometer parricídio generacional, será com pudor e disfarse.)

6.- No seducirás a la poetisa en busca de prólogo.
(Não seduzirás a poetisa em busca de prólogo.)

7.- No robarás las metáforas del poeta inédito.
(Não roubarás as metáforas do poeta inédito.)
8.- No llamarás palimpsesto intertextual a la simple copia banal.
(Não chamarás de palimpsesto intertextual a simples cópia banal.)

9.- No desearás el éxito de ventas del prójimo escritor.
(Não desejarás o sucesso de vendas de escritor algum.)

10.- No eliminarás las comillas de las citas ajenas.
(Não eliminarás as aspas das citações alheias.)