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junho 28, 2011

FOLHA [MINUETO]

Foto por - Alexandre Toresan

FOLHA

Por Marco A. de Araújo Bueno


João nada,
Stela olha;

João fala,
Stela molha;

Stela molha,
João falha;

Stela folha,
João cala.

junho 01, 2011

HORA E VEZ DA PARDOCA


Hora e Vez da Pardoca

Por Marco A. de Araújo Bueno

Do trivial ao pitoresco e, deste, ao fabuloso, vai um passo, no caso aqui, um vôo; de pássaro. Pássaros sempre foram emblemáticos de algo menos cotidiano que eles. Dinossauros eram pássaros. Tenho voado baixo e curto pela vida e hoje me sinto dinossauro, contemplativo do trivial, herbívoro em apetites. Em processo moroso de extinção, minha presença não comove, não molesta. Não pia. Às vezes, enlouqueço, só.

Quando a viuvez dilata o espaço, uma aposentadoria, também precoce, dilata o tempo e quando a geografia urbana, por sua vez, comprime o habitat de um homem, o dinossauro do vinte e dois vira ornitólogo, menos por diletantismo que por sobrevivência psicológica. Jardinagem que não seria, nem filatelia já que gosto de olhar para o fora, para o vasto possível de se ver do meu apto.22. É de onde me resta ser apto para evitar a tortura do ruído mais escandaloso, o do relógio de pulso. Portanto, como bom meirinho que fui, convoco gentilmente o trinado que resiste em volta de meu engradado. Solicito-lhes o piado, o farfalhar e toda a algazarra polifônica que, outrora, vicejava aqui, que era um grande pomar cheio de árvores seculares e veios d’água, hoje, vingados em esquadrilhas de pernilongos e na umidade que causou minha rinite crônica.

Antes de mais nada, o extinto pomar frondoso vingou-se pelo irritante e monocórdio piado do pardal, cujo estilo taquigráfico passou a predominar sobre o das maritacas, saíras e bem-te-vis, seus muito eventuais coadjuvantes. Não me incomoda na escuta, já seletiva, nem no meu esforço de classificação. Mas criou um caso com a senhora da casinha geminada que, isso sim, exigiu-me intervenção vigorosa e, sobretudo, operou a passagem do pitoresco ao fabuloso, fazendo ressurgir o meirinho em mim.

Estranhei que me procurasse tão cedo naquela manhã:-Ah, é com você mesmo, mineirinho, me salva desse problema que estou tendo com uma pardoca, já que estuda os passarinhos. Tem que ter uma solução, um jeito de espantar pardal que fica piando todo santo dia, justo às sete da manhã! Sabe que antes das nove eu não estou nem pra Jesus Cristo em pessoa, que Deus o tenha, e se essa diaba dessa pardoca me pia fininho, na altura do seu apartamento, às sete, e fica lá repetindo um phíiiii agudo, comprido, aí eu acordo e passo o dia insonada! Claro, respondi corrigindo que eu não era “mineirinho” mas já fui meirinho, e se ela precisava de uma intimação que eu, na condição de oficial de justiça e apenas estendendo a mão pelo gradil da varanda lhe fizesse chegar às patinhas, entregá-la-ia, sem constrangimentos, brinquei. Mas, retrucou a quase centenária senhora - A coisa é muito séria! O que sabe sobre pardais?

-Pois saiba que vivem no Brasil há pouco mais de cem anos. Vieram trazidos da França na virada do século dezenove, no começo da República.

-Não tem cabimento, ora! Pássaros cinzentos de cantar enjoativo, sem graça. Pra quê trazer da Europa com tantas rolinhas, patativas, tucanos que a gente tem de sobra aqui mesmo?

-Por causa disso mesmo, pra evitar que pássaros exóticos afugentassem capital estrangeiro. Idéia do Sr. Rodrigues Alves para atrair investidores cosmopolitas. Os pardais dariam um ar, digamos...parisiense, mais familiar ao Rio de Janeiro da época, é!

-E que tal uma atiradeira, quando a pardoca vem me acordar aqui no fio?

Se ela tomou no pessoal, o pior estaria por vir. Sete e pouco( eu levanto às cinco) um apito de festa de criança me interrompe o estudo. Eu tinha uma teoria sobre os barulhos do edifício: quanto mais ruidosos, maior minha privacidade. Mas o mecanismo do relógio de pulso e pequenas alterações de movimento na casinha geminada que sobreviveu à explosão imobiliária, ah não, eu não suportava ouvir! E quando, dias depois, corri à varanda sobressaltado por um estrondo meio arquejante e meio abafado, como de ave de porte maior, alternando-se com um apito insistente, e me deparei com aquela cena insólita...Difícil descrever a soma de sensações: ela abria e fechava uma sombrinha multicolorida apontada para a pardoca atônita, enquanto trinava o apito infantil e socava o pé numa folha de amianto salpicada de pedregulhos. Ato contínuo, municiei-me da velha Remington, papel timbrado e carbono e carimbo, fiz o cabeçalho de praxe e disparei, na linguagem taquigráfica dos pardais minimalistas: ”Conto pouco/canto mais, aliás/E o que conto não conta/Ou conta pouco aos demais//Canta pouco o piado/pontiagudo dos pardais/Ócio percussionado só/Opiácios sazonais/Mas, desumanos somos/Se nos somamos, quintais?” Assinado - Pardoca.

Semanas depois, a senhora lamuriava-se - A pardoquinha se foi! Será que morreu? Esses passarinhos costumam migrar...

Meus poucos colegas ornitólogos não sentiram minha falta quando troquei nossos encontros bimestrais por alguns saraus. Ou seriam...sarais?