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dezembro 23, 2011

O LANÇADOR

                              Instagram - Por Rafael Noris
O LANÇADOR


         Pensando em documentário, decerto não vira, mas tento que tento descrever como foi. Trata-se de substância sensível – a bola – com as angulosidades aconchegantes, pidonas de um bom petardo, de peito-do-pé e, é claro, de equivalências disso à ejaculação de um membro viril, calibroso e igualmente teso.
         (Sempre meiocampista, via e batia de longe – cálculos precisos e patadas certeiras – lançamentos ambiciosos; o preto no branco no que fosse da defesa. Engenho e arte quando o time avança e me cabe criar.)
         Agora me cabe criar, por exemplo, preencher lacunas (de memória e outras substâncias sensíveis) com ficção, pois me falta todo tipo de registro outro que não seja este descrever, para fazer virar real. E só vira se fizer valer a memória do pé, suas inflexões de corpo. Calos são documentos e eu tenho um calo-artilheiro .
        (Meiocampinta, era eu quem fazia câimbras no nervo ótico da torcida, torcida de várzea, mas minhas inversões de rumo no campo, da extrema direita à ponta-esquerda, faziam diástoles, prendiam respiração.)
       Para criar tecido narrado aqui, sobre futebol de campo (campo de várzea) farei inversões sim, mas não terei, jamais, atrasado a bola ao gol ou penado a bola, que não é inimiga (‘como o touro numa corrida’), mas, -sobretudo, - é mister, diria o João Cabral que, não obstante não me ter visto em proezas, falamos a língua dos tendões e nervaturas do pé.
       A bolota do calo do pé, por vezes e sempre que solicitada (numa falta, por exemplo) vira a testa que cabeceia sim-senhor, mensura a Lei da Gravidade, opera equivalências newtonianas; faz o diabo.)
      Naquele dia-dos-pais, no colégio onde meninos levavam seus pais a praticar esportes coletivos, eu postei o meu embaixo do travessão e entre os dois paus das traves. Então tomei distância de meio-campo e bati com o calo-artilheiro, calibrado. A bola subiu linhaça e desceu projétil bem na testa do filho-do-mãe do meu filho, que desmaiou-se. Eu o tenho salvo da dor.
         

7 comentários:

Anônimo disse...

Pedro Serrano Uma delícia de se ler. Do início ao fim, você conduz a caneta como quem conduz uma bola; a escrita é sua própria habilidade.
há 3 minutos · Curtir (desfazer) · 1 ·

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Marco,

também gosto de textos enxutos, sem muitos rodeios.
Neste teu, chama mais minha atenção, como leitor, 2 coisas:
a primeira é que vc vai tecendo auto elogios ao meiocampinta que prende a respiração da torcida,
mas que consegue uma quebra interessante quando atira o projétil na cabeça do filho da mãe e do pai.
Essa ruptura é, digamos, humanizante. Delineia o herói mas oferece o humano;
a segunda é a última frase “eu o tenho salvo da dor”. Ou seja, a cena passada é transportada ao presente,
revelando uma matriz víncular pai e filho que tem se mantido. Sutil e marcante, Marco.

Bacana, gostei!!
[Luiz Contro, colunista do De Chaleira, psicolega e, diz que, -joga bola...; por e-mail. Gratíssimo, caro!]

Anônimo disse...

http://pic.twitter.com/8NnoCm8X
[Laerte...]

Murilo Reis disse...

Mente insanamente poética de boleiro insano.
Um barato.

E um abraço.

Vi disse...

Gostei da questão do fazer literário dentro do conto. Muito bom! Estou refletindo sobre a personagem: por que ela decidiu escrever? Relação pai e filho?

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Personagem que dá traços à bola! Gratíssimo, Vi!

Anônimo disse...

Cecilia Prada deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O LANÇADOR":

Muito bem escrito, linguagem precisa, capaz de provocar aquele arrepiozinho na coluna, indispensável a toda boa obra literária.Viu?
Abraço.