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outubro 30, 2012

SEGMENTO DEZENOVE - O CONTO


                                           Lançamento em 24/11/12, Vila Mariana- SP

SEGUIMENTO DEZENOVE

Por Marco A. de Araújo Bueno

I

Minutos antes de uma hora impossível da manhã, o homem renitente submerge d’algum vão de escadaria do metrô em qualquer plataforma que rasga dos mais de seiscentos quilômetros da malha de Nova York.

Fosse de Tókio, de Londres, ele viria surgindo igualmente íngreme; de Moscou – duzentos e cinqüenta quilômetros – tê-lo-íamos visto desenfurnando também, a distar meio metro dos demais transeuntes, outros seres; seus concidadãos...

Onde quer que haja boa malha no que foram grandes cidades, e não tenham, ainda, se engolido a si próprias nessas dobraduras subterrâneas, ele, o homem renitente, terá brotado de novo aí para desaparecer-se outra vez mais adiante e sempre.

Sempre cravando sua pontualidade geométrica, sincopada, desaflita – sôfrega de tanta uniformidade constante – o que aflige e até embriaga observadores desatentos, ou, atentos em demasia. Eis o que veremos.

Veremos a indumentária passando em rasgo, aquela do homem-uniforme qualquer, de qualquer ciclo e quadrante, e deixando resíduos de naturalidade corriqueira porque sempre e sempre muito reconhecível pela funcionalidade discreta, infatigável.

Nunca o veremos aportando de vez, chegando a qualquer parte a guardar as cascas do trajeto em compartimento numerado, com partículas de véspera por dentro; nenhum conforto o aguarda nunca - essa é a impressão que fica.

Desta vez, o vemos rasgar da plataforma portando um retângulo grosseiro (nada parecido com um caixilho) semi-envolto em pasta padrão antiga, com um display aberrante e embaçado de chuva ácida. Parece ter catarata nos calçados, nesse estar indo.

II

Neste seguimento, porém, de muitas perspectivas alguns observadores aleatórios o contemplam, para diferentes finalidades de estudo. Nesse registro o recortamos e assim expomos alguma perplexidade. Os diálogos foram vertidos para Unilíngua, o que, se apaga alguns marcadores significativos, amplia as possibilidades de se estabelecer um padrão. O trânsito das observações está desabilitado. Nada será reportado em tempo real à instância reguladora do experimento. Da massa documental, far-se-á uma matriz a instruir os passos seguintes.

S/19-1:

- Lá vem o homem...
- Tão insignificante... E nós aqui só existimos por causa dele!
- Por quê? Com que ele opera, afinal?
- Com as condições da nossa existência, ora; e por contraste. Nossa visibilidade como pós-humanos depende dele, como pano de fundo.
- Isso é desconcertante, abusivo...
- É que nos revela as nossas virtualidades transgressivas. É um paradoxo – podemos explodir coisas, abstratas, até. Mas, se ele desaparecer por causa disso, sanções nos aguardam. E essas sim – desconcertantes.
- Ele é nossa bomba-relógio... Não o perca!


S/19-2:

- O homem está vindo de ou indo para?
- Eis a questão, o do que se trata; o móvel...
- Podemos ser mais pragmáticos?
- E o pragmatismo não está na ação, nesta que ele incorpora?
- Pois o homem com quem se depara, já não o vejo!
- Será que ele nos vê?
- Filosofia, poesia e nós aqui – parados!


S/19-3:

-Pois bem, a idéia é rastreá-lo e mapear o deslocamento dele.
-Descartada; não podemos tocar nele nem abordá-lo.
-Ficaremos nas conjecturas, então?
-Não. É um impasse metodológico...
-Poderíamos segui-lo à distância?
-Não temos tal competência.
-E perderíamos o olhar - estrangeiro...


S/19-4:

-Não entendo a lógica do Seguimento Dezenove...
-Cotejar diferentes perspectivas, ora; suponho - os observadores, a neutralidade, os duplo-cego e os modelos quânticos; os velhos parâmetros, não?
-E nada sobre os riscos? Os velhos riscos?
-Ora, um andarilho renitente, uniformizado e sem pertença; catatonia agitada; onde os riscos?
-Nessa aparente singeleza do fenômeno; em nossa ignorância adestrada...
-Lá vem o homem, observe, sem obscurantismos.
-Tenho maus pressentimentos...


S/19-5:

-Veja como ele não se dissolve no fluxo pela plataforma; segue tão pontiagudo.
- Pode atrair raios! Aquele retângulo tosco... Condutível?
- Acho improvável, mas tem qualquer coisa estranha nisso!
- Que autonomia teríamos para agir, em caso de desastre?
- Nenhuma. O que nos cabe é oferecer a nossa perspectiva do desastre.
- Então pondera a possibilidade de um desastre?
- Eu não pondero nada, apenas observo, ora.


S/19-6:


- Todo este aparato ótico, é só o que temos...
- Não nos cabe maiores intervenções. Um enigma, esse homem!
- E como mostraremos competência à instância reguladora?
- Cumprindo nosso contrato; somos instrumentos óticos e...
- E você deve baixar essa ansiedade. Esse ambulante é objeto para pesquisa pura e nós contamos pouco, é isso?
- É mais ou menos isso. Sejamos discretos e renitentes, como o nosso objeto de estudo.
- Acho meio conspiratória essa falta de ação...


S/7-7:

- Nada do homem neste quadrante...
- Nem sinal. O que estará acontecendo aos olhos dos outros?
- Talvez a mesm... Que porra é aquilo, explosão?!
- Vazamento radioativo na Área Sete! Abortar a tarefa!
- Alá, o homem renitente... Caminhando?!
- Em plena plataforma em alerta!
- E aquele caixilho tosco, onde foi parar?!

novembro 18, 2011

CONTO VIRA ROMANCE ? NÃO !

Novembro / 3001*, de Marco Antônio de Araújo Bueno, traz uma linguagem contaminada pelo vocabulário acadêmico, o que torna seu narrador metódico e irônico. Reconheci em seu labirinto narrativo certas imagens de autores célebres como Machado de Assis e Euclides da Cunha. O conto, apesar de curto, é um vasto mosaico distópico e bizarro, no qual cabe quase tudo: pós-humanos, contrabandistas de órgãos, milícias tribais, mortos-vivos, criaturas andróginas, programas de reabilitação etc. O comentário de meu amigo especialista em FC foi: “Esse conto não chega a pertencer à estética cyberpunk, tampouco à new weird, mas está confortavelmente instalado entre ambas.”

Breno J.

* Há um romance homônimo no prelo sim, mas é um romance sci-fi derivado em coesão textual, experimentalismo linguístico (neologismos, como 'Tarefário', p.ex.) e temática (Estranho) da esteira narrativa de oito contos publicados ao longo dos três anos do Projeto Portal, coordenado pelo ficcionista Nelson de Oliveira. É que chegamos a Novembro e a publicação ficará por conta do calendário incasteca.

janeiro 23, 2011

NOVEMBRO/3001 - CONTO MATRIZ DA NOVELA HOMÔNIMA (no prelo)

Novembro / 3001

O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão…
Chico Buarque de Holanda
Geni e o Zepelim


ESTAS ANOTAÇÕES PODERIAM servir a propósito bem delimita-do. O registro, porém, colhido graças a um desses humanos nada propo-sitivos (com quem estive envolvido de forma delituosa), jazia numa pasta de avulsos que mantenho com desleixo de arqueólogo, hoje, errante e dispersivo. São fragmentárias, avulsas. Se as coloco sobre uma mesma lâmina aqui, não terá sido por razões metodológicas, mas por diversão.

E, se diversão tornou-se palavra-de-ordem nesse presentismo que nos escalda num hedonismo de final de milênio, seria falacioso julgar meu empenho como mero sintoma de milenarismo. Derrocada de valo-res, desorientação generalizada e toda a promiscuidade inaugurada pela era do pós-humano, para além de sintomas típicos, de pré-determi-nações típicas, tornam a diversão, aqui, uma estratégia transgressiva.

Dito isto, fodam-se as categorias científicas de análise, os paradigmas ensebados e presunçosos que teimam em dar conta das representações simbólicas de cavernas e florestas. Habitamos cavernas de silicone trans-lúcido e as florestas não existem mais; então, que eu me ocupe da histó-ria singular de cada árvore que agoniza, sem teorias e fiel à minha própria perspectiva dos seres e coisas que me cerqueiam.

Sei que, de fato, a vida dos humanos não é mais precocemente ceifa-da e a nossa longevidade aumentou, comparativamente. Mas me ocorre que isso se deva à nossa condição de dependência prolongada na pri-meira fase, o que abastece o mercado de cuidados com a infância — à sua mais absoluta revelia —, e mantida pela medicina predatória na ter-ceira, o que desautoriza a nossa mais justificada ânsia de morrer.

Sei também que passo dois terços do meu tempo presumido de vida, quase imune ou refratário às demandas da grande ordem de mercado que configurou o rol das escolhas desde quando viveu minha bisavó-de-genoma. Mas me ocorre que, se percebo assim minha ligação com o consumo, se me percebo agindo no mundo material de um modo meio extemporâneo, isso me custou o preço de uma constante vigília.

Sei, por fim, que choquei as expectativas de meus ascendentes (não gerei descendentes; sei que soa extemporâneo este vocabulário, depois do fim da família nuclear) ao mostrar-me espaçofóbico. Extrapolar a órbita da Terra, nas excursões mais comezinhas no período da tutela educacional,causou-me horror.Optei por fincar raiz no meu quadrante. E tenho relações ambíguas com pós-humanos; outra linha evolutiva.

É um paradoxo desconfortável isso — parecer aos olhos de humanos e pós-humanos, ou ser, por eles, interpretado como produto de uma robótica ao avesso, como um retardado cibernético —, o que explica o meu enquadramento na classe dos Desviantes de Grau II. Fosse de Grau I, teria entrado para o PRP (Programa de Reabilitação Primária), para ser um agente compulsório da doxa estatal de conduta.

Fosse o que enquadram como Terciário, seria perseguido pelos contra-bandistas de órgãos, pelas milícias tribais que habitam o litoral ou, uma vez pego, seria designado para as tropas que trabalham por soldo míni-mo, na função de roteador de DSP (Dispositivos de Segurança Máxima), ou seja, um morto-vivo, sem qualquer pertença ou perspectiva de amparo nem inserção estatutária. Sou um limítrofe social, inominável.

Meu perfil é o de um criminoso em potencial, aos olhos do Estado Mundializado, ou de pária, que pratica delitos na sombra e à margem da delinqüência com alguma pertença institucional, como os mandatários do capital privado ou dos que possuem privilégios de urbanidade na Polis ou na Polícia. Se é que me compreendem agora, resta-me alguma dignidade pessoal; algum estilo, até…

Na esteira desse meu perfil, e com a observação que faço de crianças humanas, de linhagem darwinista clássica (quanto às de linhagem híbri-da, portadoras de aplicativos cibergenéticos, essas me confundem —, focadas demais, nada dispersivas, vacinadas no pós-epidêmico surto mundial de TDAH, Transtorno do Distúrbio de Atenção e Hipera-tividade, síndrome forjada, em parte, nos próprios laboratórios que desenvolveram a vacina), de crianças comuns que escaparam à vigilância sanitária, delas mimetizo o modus vivendi — ocupadas, sempre, com o que seja divertido em si, capturadas, livre e intensamente, num constante estar distraído —, o que lhes torna possível escapar aos condicionamen-tos, tutelados ou subliminares, que as idiotizem e as tornem adestradas; dóceis. Delas tiro meu molde, ocupando-me — distraído.



Passo meus ciclos em campo, coletando informações difusas, quanto mais qualitativas melhor (não as quero transformadas em bits, compar-tilhadas), e fragmentos de biografias marginais, periféricas, que não pos-sam ser exportadas para quaisquer arquivos de sistemas operacionais. São registros manuscritos com pontas de 0,3 milímetro, que passam por cri-terioso sistema codificado de notação. Aprendi a desnaturalizar minhas sensações mais banalizadas e corriqueiras ao mover-me entre párias e marginais sem me comover com a precariedade da existência deles. Eles, por sua vez, trombam comigo como quem anda a esmo, um excêntri-co; uma toxina ou um mal necessário com que contemporizam. Somos a mútua contraface de sobrevivência um para o outro, clandestinos de pouca fala. Não há julgamentos de lado a lado nem ofensas judiciosas.

Não obstante, não se iludam. Não se trata de tolerância, de convívio harmonioso com o que seja a diferença. Que não se subestime, pelo caráter fragmentário deste registro, seu propósito subjacente — o de ser confessional. Pós-humanos, com quem guardo sentimentos ambíguos, ou representam obstáculos para mim (e são eliminados; meu perfil de criminoso…), ou estabeleço com eles uma relação de comensalismo, ou seja, nossas existências justificam-se mutuamente. Se me entendem me-lhor agora, meu envolvimento delituoso não é brando, apesar dos meus valores extemporâneos — exterminei a vida de um deles, da falange litorânea dos mortos-vivos, tão logo que, ao passar da distração ao ato, percebi meu foco ameaçado. Foi no mercado negro do setor energético, ou químico, como queiram. Mas esta parte requer algum prelúdio.

Arqueólogo em tempos de arquivos seqüestrados, de suportes pere-cíveis ou deletados, de sucateamento massivo dos caixilhos 9.0, enfim, da mais irresponsável pulverização de pistas e rastros e sítios na contumácia da digitalização; arqueólogo com abstinência de massa documental, ao se aproximar do lixo civilizatório todo reciclado em pós-lixo, de tal modo aos dejetos aspira, que se transforma em dependente químico de… Va-lores. Outro paradoxo — minha subsistência caótica aproximando-se do limite acaba por subvertê-lo. Sublime transgressão! Importante registrar a transformação de fenótipo a que me conduzi. Ou de genótipo, se é que a radioatividade agiu tão logo… Não raspo as sobrancelhas, por exemplo; protejo-me dos UVs. Ao contrário do que se pensaria, não é porque cometa delitos nas sombras. Sem nome.

Poderia acrescentar os delitos menores que pratiquei no litoral até que me foi dado operar o grande salto, mas seria menos importante que narrar as circunstâncias de submundo que me levaram a conhecer Cleo-cênio, o pós-humano, quase andróide, especialista em Física e Química Quântica. Em todo caso, para infiltrar-me no tráfico de material radioa-tivo precisei cometer delação, queima de arquivo, felação etc., além de rou-bo de água potável, pequenos subornos e grandes quantidades de subs-tâncias ilícitas que estocava sob o calçamento milenar dos lugarejos litorâneos de alto risco, dada a incidência de tsunamis etc. Por debaixo da geometria perfeita desses paralelepípedos que reluziam ao sol escal-dante, quase insuportável — preciosos containers acondicionando nano-cápsulas poliméricas de duzentos e cinqüenta nanômetros de Qa aguar-davam, fotoprotegidas, blindadas como a pele dos mulas.

Um dos mulas era justamente Cleocênio — o Cléo —, andrógina criatura sobre cuja competência não pairava a menor suspeita, se um sexívoro apetite o tornasse portador de uma obsequiada compulsão de cumprir meus comandos mais limítrofes ao operar a distribuição do Quantônio pela malha metroviária urbana. Refiro-me ao mesmo radioisótopo que a ciência recente inscreveu na Tabela Periódica de Elementos, os mandatários — em suas planilhas de investimentos; os políticos em seus discursos conspiratórios e a Polícia em sua receita não tributável. Fotoprotegido, o Qa circulava das reservas estatais para recep-tadores em plataformas de metrô, iguais àquela em que Cleocênio pre-cisou se explodir, face à vigilância implacável do renomado projeto Segmento Dezenove, o que o tornou um morto-morto.

Se é que me compreendem, por fim, eu — um humano extempo-râneo, sem nome, com seu arquivo truncado, ao se perceber visível pelo serviço de inteligência, tão sofisticado quanto corruptível, que investi-gava o deslocamento de um seu não-semelhante, explode-se em infla-cionada visibilidade. Apaga mais um arquivo pós-humano e refugia-se no litoral inóspito com o segredo do Quantônio. Constitui-se, singular como não antropólogo na clandestinidade nos confins da face oposta do espaço sideral — o oceano —, como uma criança comum; capturado, livre e intensamente, pelas distraídas regularidades e pelo movimento ondulatório do eterno e inesgotável tornar a ser constante, tão distraído e agora tão focado no brilho de tão poderoso duplo radioisótopo, ei-lo ali-mar Quantônio.

julho 02, 2010

ARQUIVO TRUNCADO [em homenagem a Eustáquio Gomes]



“ARQUIVO TRUNCADO”

Por Marco Antônio de Araújo Bueno

I

Perdi a conta da minha idade-Terra; um tempo cuja dimensão objetiva deslizou pelos meus dedos-prótese. Para efeitos censitários, a propósito, nunca souberam onde me encaixar, em que categoria neo-etária, funcional (‘pesquisador arqueólogo’, cogitavam; mas – o quê exatamente faz?) ou econômica. Um emblema dessa minha resistência é cultivar abertamente um vocabulário extemporâneo, nada funcional neste pós-reforma que substituiu a retórica pela criptografia globalizada Minhas experiências com linguagem não utilitária andam expondo-me a riscos. E em meus sonhos da noite voltam estes com meu deslizar sobre paralelepípedos.
O divisor de águas, uma de minhas diletas expressões, foi a digitalização que fizeram de minha tese “Nidra”, a partir dos arquivos que restaram do departamento de línguas mortas, num desses feudos institucionais que sobreviveram à fúria devastadora das novíssimas normativizações. Sânscrito? Davam de ombros e me davam sossego para trabalhar com certa autonomia, seja porque não gozava de reputação alguma, ou demandava verbas, subsídios, muito menos - visibilidade. E se esta condição punha-me a salvo dos eflúvios de vaidade intelectual (palavra banida desde 2073), não me protegia de toda discriminação social embutida em minha ‘triste figura’. Um invisível deslizante.

II

Por ladeira de paralelepípedos escoa o fluxo dessa aventura. Mas, vocábulo infenso, refratário à fluência poética, exige um freio igualmente duro, como um ‘que’. Então - e deitando meu peito sem camisa numa esteira imaginária de rolimã, deslizo pela rua calçada de paralelepípedos que, ensaboados pelo sol a pino liquefazem minha vertiginosa onipotência onírica.
A mil e duzentos metros de altitude a roxa é macia como travesseiros-da-nasa. Com o peito quase resvalando o calçamento, nas baixuras, não é diferente a coisa táctil, amaciada pelo sonho induzido. Mesclando um pós-sonho com o caminho-das-pedras, narrativo, eis o que faço – colher, com uma tarrafa remendada todo o nado dos peixes de um sonho, sonho da noite. Recorro, descaradamente, aos textos literários de toda uma civilização proscrita da nova ordem. Se, pelo conto de Borges, me é dado acordar para escapar da morte, também me soa imperativo não truncar o fluxo, subterrâneo ou panorâmico, em nome do cumprimento de um devir metabólico - o de não despertar. O sonho foi um acordo, sempre o é; devo honrá-lo; gosto se me saber sonhado. O Sonho é um paralelo epíteto, somado a um que de não sei o quê.

III

Não me cadastrei no programa de ‘recall’ genético nem sou beneficiário do SAT – o sistema, de inspiração totalitária (outro vocábulo banido), que prescreve atenção terciária aos genomas de meus concidadãos. Até porque, mesmo estes, desconhecem o que seja cidadania e o máximo que sabem sobre compartilhar, concerne à passividade com que se iludem com expropriações em seus corpos e almas. Sou uma alma penada em corpo rebelde e, repito – estou correndo riscos. Em minha mais recente excursão à Área Sete, tive meus dois caixilhos confiscados mais os auriculares desabilitados, pelo trauma resultante de uma ação miliciana, truculenta e à luz das três horas do terceiro período, outrora chamado ‘madrugada’. Tratava de acertar a publicação, por demanda, do texto que narra minha aventura com superfícies de paralelepípedos. Meus contratantes desapareceram, física e judicialmente. Trago brotoejas na nuca (indícios de implante remoto de sensores de movimento) e me sinto seguido em cada quadrante, apesar de minhas credenciais antiquadas. Ah, sim – faço conjecturas sobre minha idade sim, porque mantive os marcadores de referência temporal que colhi por inferência. Sou um humano de idade avançada; avancei o quadrante da pós-humanidade.Repito – es...
{Conto do livro V do Projeto Portal - PORTAL 2001 -Lançamento: Julho/2010}




junho 30, 2010

Horas contadas para o lançamento do Livro V do Projeto Portal - Portal 2001 -Julho/2010 {Em homenagem ao amigo escritor e colega colunista do blogue De Chaleira -Eustáquio Gomes}



“ARQUIVO TRUNCADO”

Por Marco Antônio de Araújo Bueno

I

Perdi a conta da minha idade-Terra; um tempo cuja dimensão objetiva deslizou pelos meus dedos-prótese. Para efeitos censitários, a propósito, nunca souberam onde me encaixar, em que categoria neo-etária, funcional (‘pesquisador arqueólogo’, cogitavam; mas – o quê exatamente faz?) ou econômica. Um emblema dessa minha resistência é cultivar abertamente um vocabulário extemporâneo, nada funcional neste pós-reforma que substituiu a retórica pela criptografia globalizada Minhas experiências com linguagem não utilitária andam expondo-me a riscos. E em meus sonhos da noite voltam estes com meu deslizar sobre paralelepípedos.
O divisor de águas, uma de minhas diletas expressões, foi a digitalização que fizeram de minha tese “Nidra”, a partir dos arquivos que restaram do departamento de línguas mortas, num desses feudos institucionais que sobreviveram à fúria devastadora das novíssimas normativizações. Sânscrito? Davam de ombros e me davam sossego para trabalhar com certa autonomia, seja porque não gozava de reputação alguma, ou demandava verbas, subsídios, muito menos - visibilidade. E se esta condição punha-me a salvo dos eflúvios de vaidade intelectual (palavra banida desde 2073), não me protegia de toda discriminação social embutida em minha ‘triste figura’. Um invisível deslizante.

II

Por ladeira de paralelepípedos escoa o fluxo dessa aventura. Mas, vocábulo infenso, refratário à fluência poética, exige um freio igualmente duro, como um ‘que’. Então - e deitando meu peito sem camisa numa esteira imaginária de rolimã, deslizo pela rua calçada de paralelepípedos que, ensaboados pelo sol a pino liquefazem minha vertiginosa onipotência onírica.
A mil e duzentos metros de altitude a roxa é macia como travesseiros-da-nasa. Com o peito quase resvalando o calçamento, nas baixuras, não é diferente a coisa táctil, amaciada pelo sonho induzido. Mesclando um pós-sonho com o caminho-das-pedras, narrativo, eis o que faço – colher, com uma tarrafa remendada todo o nado dos peixes de um sonho, sonho da noite. Recorro, descaradamente, aos textos literários de toda uma civilização proscrita da nova ordem. Se, pelo conto de Borges, me é dado acordar para escapar da morte, também me soa imperativo não truncar o fluxo, subterrâneo ou panorâmico, em nome do cumprimento de um devir metabólico - o de não despertar. O sonho foi um acordo, sempre o é; devo honrá-lo; gosto se me saber sonhado. O Sonho é um paralelo epíteto, somado a um que de não sei o quê.

III

Não me cadastrei no programa de ‘recall’ genético nem sou beneficiário do SAT – o sistema, de inspiração totalitária (outro vocábulo banido), que prescreve atenção terciária aos genomas de meus concidadãos. Até porque, mesmo estes, desconhecem o que seja cidadania e o máximo que sabem sobre compartilhar, concerne à passividade com que se iludem com expropriações em seus corpos e almas. Sou uma alma penada em corpo rebelde e, repito – estou correndo riscos. Em minha mais recente excursão à Área Sete, tive meus dois caixilhos confiscados mais os auriculares desabilitados, pelo trauma resultante de uma ação miliciana, truculenta e à luz das três horas do terceiro período, outrora chamado ‘madrugada’. Tratava de acertar a publicação, por demanda, do texto que narra minha aventura com superfícies de paralelepípedos. Meus contratantes desapareceram, física e judicialmente. Trago brotoejas na nuca (indícios de implante remoto de sensores de movimento) e me sinto seguido em cada quadrante, apesar de minhas credenciais antiquadas. Ah, sim – faço conjecturas sobre minha idade sim, porque mantive os marcadores de referência temporal que colhi por inferência. Sou um humano de idade avançada; avancei o quadrante da pós-humanidade.Repito – es...






março 23, 2010

HOLOGRAMA (Um Prosimetrum sci-fi)

“Holograma”




Com seus parcos recursos, morando distante dos Núcleos de Segurança, aquele colapso da energia desconfigurou-lhe em sua noção de pertença, de conexão mínima com os seres de qualquer natureza. Prudência, Mitcei!, ruminava. Sensação de cessação...
Dos medos, o da putrefação de suas provisões, parcas, e dos micro-organismos morais que o assaltariam, puntiformes ou em bloco, precavia-se com algas e mantras. Plantou em si alguma ira. Medo e raiva que se excluíssem mutuamente. Dormiu.
O que o despertou de um sono branco foi a barulheira do silêncio. Um silêncio geométrico e pantanoso conspirava por onde quer que a vista tocasse. E que o tocava também; pupilas dilatadas, turbulência circulatória – serpentário virtual, onipresente.
Tempo e silêncio, este binômio do luxo e privilégio de castas predatórias, pois sim, mas Mitcei sabia que a falta deste era suportável pela impossibilidade daquele.Acuado, viu-se refletindo como filósofo. Refletir, agora, – outro luxo. Agir, sim.
Refazer o trajeto civilizatório, recuperar tecnologias – agir com as mãos, esculpir objetos! Então, reaver imagens que confirmassem sua condição humana, de civilidade, ainda que parca, porque ele era assim recluso, refratário aos elos civilizados.
Usou resina antiga para moldar uma dançarina com espátula – ei-la! Tosca, porém – tangível, direto de sua imaginação sedentarizada. Mitcei apelidou-a: Altamira. Arriscou-se a capturar algo de Sol, na falta do laser, e da reconstrução do campo óptico dentro de um cilindro surgiu a holografia de Altamira, posta em pedestal. Não se movia, não dançava a dançarina; caberia a ele orbitar à volta dela, recitando os mantras que ela lhe inspirasse, oscilante como os feixes de luz solar. Teve alucinações; pensou ouvi-la recitar.
Às vezes pensava no seu tarefário, no tudo que deixara de fazer. Prudência, homem! E desabava soterrado pelo dever de fazer, de plantar. Por quanto tempo essa inflação de tempo? E cessada a cessação, que outra sensação?
Masturba-se às vezes, noutras, deambulava a esmo pelo iglu que recobriu de lã sintética. Às vezes, apavorado e desnutrido, esbarrava em vultos. Por onde teriam violado seu recanto? Teriam descoberto Altamira? Altamira sequestrada, dessacralizada?
Armou-se, inflamou a ira para neutralizar o medo. Altamira suplicou-lhe proteção, já não mais recitava nunca! Retirou-a do cilindro, destruiu o pedestal e o campo óptico. Envolta em celofane, pensava ouvi-la sussurrando, como se privada dos sentidos.
A espessura daquele silêncio...O espectro da insanidade. Quanto tempo dura uma privação assim? Um fenômeno global? Dariam falta dele, o Mitcei refratário, recluso?Saberiam da tutela de Altamira que sussurrava entre suas luvas congeladas? O fim?
Uma draga que percorria a região pousou à distância segura. Pandemia de malária, nômades revoltosos, vazamento radioativo...sabe-se lá. Do interior do sítio, murmúrios indecifráveis. Alguém registrou (à margem): “Assemelha-se à cantiga de ninar”.

{Publicado originalmente em Portal Stalker, ed, esgotada e no blogue coletivo www.e-chaleira.blogspot.com em minha coluna Brevidades}

janeiro 28, 2010

"SOBRE A EXPLOSÃO NA 'E.H.M."- DESDOBRAMENTOS"

“Sobre a Explosão na “E.H.M.”– Desdobramentos”

Por Marco Antônio de Araújo Bueno


Chamarem de “requentado” esse assunto do acidente ocorrido na “Escola Hibris Mundial”, sinceramente, pouco me importa. Certo ímpeto de humor negro, ao contrário, já me impele a qualificá-lo de “chamuscado” – isso sim –, e me explico: houve, tem havido e é de se esperar que se alastrem desdobramentos tão funestos, que fariam corar toda a corja de “notáveis”, cuja honorabilidade canhestra, hoje, é matéria para carvoeiros: as labaredas destroçaram o arcabouço físico do campus, mas – capricho dos deuses - pouparam a alminha sacana que animava seu extemporâneo prestígio mundial. Toneladas de gigabytes sobreviveram junto aos detritos e eu, envolvido que me achava na ocasião e na condição de vítima sobrevivente, transformá-las-ei em caprichosa história recente valendo-me (que me chamem de posmodernista, pouco se me dá) até dos arcaísmos, das obsolescências mesoclíticas e de todo ferro velho vernacular que lhes provoquem “espécie”.
Pois até do século II ªh. (e que a própria hecatombe não fez submergir) extraí uma expressão belezera que bem qualifica a condição de indigência ética da Escola – “tempos do onça”. Que não me perquiram sobre a etimologia, mas é certo que alude ao anedótico como registro da velha cultura de massas. A “E.H.M” com seus campi espalhados pelo mundo reformado é uma instituição dos tempos do onça, uma ágora estéril e sem estilo, convalescendo de agorafobia (termo que tomo à “P^p” – psiquiatrizações classificatórias pós-cartolagem laboratorial, também do referido século II) e osteoporose pragmática (ossatura conceitual carcomida pela porosidade das investidas multidisciplinares da época). Pois bem, que me inquiram, agora sim - e o que fazia um profissional de linguagem geral perambulando por aquelas bucólicas pastagens no momento em que houve a tal explosão? “Macacos me mordam!”, exclamaria qualquer daqueles ascetas pálidos – Quem é que cora, agora? Onde estavam minhas fidelidades?
Sem constrangimentos (explico depois) de qualquer natureza, apenas um tanto quanto deslocado da ambiência exótica, eu portava um caixilho básico (sou usuário) contendo minha Proposta Reformática Contributiva I, ainda sub-graduada para efeito de renovação de passaporte aos confins do Continente de Suporte – Área 35. Algo suspeito? É que nem imaginam o que andam fazendo profissionais de linguagem geral (os “plg-beta) para quitarem seus créditos junto ao Departamento de Desertificação....Não tinha que me envergonhar; era apenas trocar meu uniforme, tomar as vacinas e uma boa dose de humor sintético, desses genéricos mesmo, de acordo com o poder aquisitivo do meu soldo e o da parteira que me sustentava nesta idade pré-produtiva. E minha idéia era boa: no âmbito contributivo da Sustentabilização, de forma meio difusa, estava subclassificada junto aos biodigestores. Munido de artifícios retóricos de ponta, com muita elegância no jargão e algum cinismo de praxe, lá estava eu com um assuntoso arsenal teórico que se justificava.
Tratava-se da pertinência corporativa, na gestão de dados catalogáveis de amplo espectro, de um aparato catalisador de reciclagem que batizei com toda a pompa de “Biodigestor Cognoscitivo na Assepsia de Dejetos Simbólicos”. Muita parcimônia nos gastos e muitos, muitos elétrons de pura ironia recoberta de retórica de confeiteiro, como concluiu, tácita e afetiva, minha rigorosa parteira. O problema físico das agências de dados, suas instalações nos “currais” dos campi ( só recentemente informatizados “em Declive Ótimo”), já estava equacionado. Como comprimir o material cognitivo residual, menor que fosse, sem por em risco o substrato canônico? Eis minha problematização: um reator de baixo custo aliado a filtro operativo, de tipo isonômico e redutor de ambivalências, baixo capital humano, etc., etc., ora – não era tudo o que desejavam os doutos reitores dos últimos feudos acadêmicos, para“otimizarem” armazenagem?Micro-silos ideativos?
“Tens o básico para propor ao que se requer para o próximo “Examem Sazonalis”, mas cabe adverti-lo – é matéria explosiva! Assim vaticinou minha parteira, prudente e flexível –“(...) terreno minado por veleidades, latinidades... vanitas..., cochichava-me. Mas é sítio perfeito para linguagem. E linguagem explode, esqueceu-se?” Não, estava aí a poética da empreitada e eu tinha sorte de contar com o respaldo de uma neopreceptora ágil que, embora sabendo das propriedades de auto-detecção de paradoxos embutida no meu biodigestor de idéias, houve por bem chancelar a empreitada; talvez por flertar, tímida, com paradoxos, inclusive os de prosódia, o que muito me divertia. A metodologia era automática, bastava acionar o programa. Problemas de revisão conceitual contornados, carente de passaporte, voluntarioso típico do pré-produtivo...parti. Eu e meu caixilho básico com o necessário-suficiente, mais a mais que suficiente pulsão de provocar reações.
Cheguei por água ao local, no meu continente mesmo –Área 12, o que me poupou gastos (não contava com Moedagem) e proficiência em Língua Uni-local; tanto que me distraía com as pernas longas da organizadora bem fornida ao perceber que me restava apenas uma cadeira vazia, e descobri o porquê: havia um teatro de arena em cima do local, como pingüim sobre uma geladeira; o posto onde me sentei arqueava-me os ombros sob um dos lances da arquibancada do teatro; o peso do mundo greco-romano em meu trapézio, nos dois – o Átila corcunda – eu, sem minha parteira, trapezista por pressão; nada parturiente de idéias...optei pelo humor, de cuja pílula, potencializada pelo hormônio do estresse, brotou uma impagável introdução: “A massa da produção cultural do antigo Ocidente não passava, para Sigmund Freud (séc. II) do que este associava à produção fecal, via processo simbólico denominado “Sublimação”. Muito do que um biodigestor POUBLOOMn.



Muito se obrou no período e não havia cisterna bacteriologicamente funcional que operasse como um biodigestor de toda PLOBOWNNMMMMMMnnnnnuffffffffBLAHHH (a explosão!) AQUELA M. ERDA-----MERDA, TEM GENTE FERIDA AQUI TEM GENTE MORTA QUE MERDA É ESSA SEM TUMULTO POR AQUI SEM PASSAGEM ESSA PORRA É CALCÁRIO E GESSO SÓ E MAIS AS VIGAS E TRELIÇAS DESPENCANDO MERDA FOI FAÍSCA IRÔNICA QUE CAUSOU PROTEJAM SUAS CABEÇAS AS CABEÇAS MERDA PROTEJAM PROTEJAM SUAS CABEÇAS TODO MUNDO NO SOLO PROTEJAM OLHOS SEUS OLHOS E CABEÇAS TODO MUNDO CALADO PRA OUVIR FERIDOS GENTE MORTA AQUI ESTE AQUI MORREU{...}Protejam cabeças olhos no solo sem pisar cabeças sem massacrar merda merdaVOU RASGAR AQUI..Desdobramentos? Explico depois...