Grato ao colega Pedro Gobett pela recolha do registro.Suponho que o texto literário seja tributário de algo como o que lacanianos chamariam "acontecimento de corpo". Mas Drummond já sabia disso; acho. Colo
um segmento do FRAGMENTO V da minha tese de doutora ('Brevidade e Epifania na Micronarrativa Contemporânea"-Unicamp/2008) onde a concepção de Epifania é lida numa chave das postulações lacanianas sobre o Registro do Real:
romance “il fuego” (o fogo) de Gabriele D’Annunzio publicado na virada do século XIX, cuja parte primeira relata os êxtases estéticos do poeta Stelio Effrena e se chama
exatamente “Epifania do Fogo”, segundo R. Ellmann, biógrafo de Joyce.De fato, neste livro-embrião (do subseqüente “Retrato do Artista Quando Jovem”, pelo menos), aqui onde
assinalo a noção laica, secularizada de epifania, literalmente salvo (cerca de 500p) do fogo por Nora Joyce (!), seu marido afirma que, ao captar o momento exato no qual essa
aparição acontece [e Joyce colecionava fragmentos disto pelas ruas de Dublin], “ele acaba de sondar intensamente, em toda a sua verdade, o ser do mundo visível (...) a beleza,
esplendor do verdadeiro, acaba de nascer”. Assinaladas algumas pistas genealógicas e contornadas considerações que subjazem toda a experimentação formal dos modernistas
(inclusas aquelas que remetem ao grande legado do movimento romântico, qual seja, o de questionar e dissolver a própria aplicabilidade do conceito de gênero, já aludida aqui,
questão enriquecida tanto pelo formalismo russo quanto pelo círculo bakthiniano) estabeleçamos, para efeito da natureza do efeito que nos importa, o que, relacionado à
epifania, constitui categoria neste estudo e isso demanda alguma operacionalidade como a que busco, junto a Miguel Cardoso, quando afirma ser a epifania “(...) um
instrumento de revelação que suspende o devir e se destaca dele (...) momento efêmero [que] registrado – prende a atenção –(...) prolonga seu significado(...)e fornece nós
privilegiados de significado ao leitor”. A idéia topológica de “nós” remeter-nos-á a Lacan, isso é certo, à categoria do que denomina registro do real, por definição –
inapreensível (equivalente à coisa em si postulada por Kant) -, sobre cuja propriedade essencial, afirmava Lacan, “(o Real) não tem fissuras”. Afirmava até chegar a Joyce no
seminário de 2004 – “Sinthome”, no qual dedica um capítulo à idéia de um furo no real, pela proposta topológica de uma outra urdidura de nó, para dar conta da epifania.
Observe-se que, de extração freudiana (“das ding”), esse real, para Lacan – a coisidade da coisa, cuja materialidade falta na linguagem, ainda que não examinemos aqui o teor do
referido seminário, interessar-nos-á no exato momento em que, para a noção de epifania como efeito no leitor de um microconto, efeito este que parece atado ao registro do
simbólico, que é coextensivo à ordem da linguagem segundo o próprio Lacan, tentarei estabelecer a diferença entre a singularidade da experiência suscitada no leitor de
narrativa condensada ao extremo, e algumas das tantas formas de arrebatamento que a leitura de uma obra de arte provoca, em sentido amplo. Quando não, pelo menos, que se
observe o quão recente é o escopo de todo esse conjunto de postulações teóricas!
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