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outubro 12, 2011

EPIFANIA -FRAGMENTO V

Foto por Alexandre Toresan [entrevista à TV PUC]


James Joyce, bem depois do Stephen Hero...

FRAGMENTO TEÓRICO V


Concernente à intensidade a que se denomina epifania, aquela que nos chega via postulações que James Joyce anuncia em “Stephen Hero”, a respeito do que se espera de um

“homem de letras”, qual seja, “uma súbita manifestação espiritual que surge tanto no meio dos mais ordinários discursos ou gestos, quanto na mais memorável das situações

intelectuais” e que, porquanto representem, as epifanias, “os instantes mais delicados e mais fugidios”, (ou “evanescentes”, conforme a tradução) caberia ao homem de letras

observá-las com extremo cuidado. Era, afirma Umberto Eco (“Sobre uma Noção Joyceana”, in “Joyce e o romance moderno”, 1969) de Walter Pater a concepção estética que

descrevia a natureza desses instantes fugidios, excitações intelectuais ou dos sentidos que, “(...) iluminando um certo horizonte, por um momento parece entregar ao espírito a

sua liberdade”. Poder-se-ia atribuir à formação jesuítica de Joyce a inspiração advinda do que Eco considera, aparentado ao claritas de São Tomás de Aquino, como um

“epifenômeno” para o tomista Maurice de Wulf(1895) - uma apropriação, pelo jovem Joyce, de uma “escolástica de segunda mão”. Pois contentemo-nos com a etimologia, por

um lado (“epiphaino” - fazer aparecer, mostrar, fazer conhecer), momento da aparição de uma realidade que se revela, (apropriável por ou já plasmada como imagem poética) e,

por outro, com a idéia de uma herança do decadentismo europeu em Joyce, demonstrada também por Eco, cotejando a teoria do momento da epifania no Stephen Hero com o

romance “il fuego” (o fogo) de Gabriele D’Annunzio publicado na virada do século XIX, cuja parte primeira relata os êxtases estéticos do poeta Stelio Effrena e se chama

exatamente “Epifania do Fogo”, segundo R. Ellmann, biógrafo de Joyce.De fato, neste livro-embrião (do subseqüente “Retrato do Artista Quando Jovem”, pelo menos), aqui onde

assinalo a noção laica, secularizada de epifania, literalmente salvo (cerca de 500p) do fogo por Nora Joyce (!), seu marido afirma que, ao captar o momento exato no qual essa

aparição acontece [e Joyce colecionava fragmentos disto pelas ruas de Dublin], “ele acaba de sondar intensamente, em toda a sua verdade, o ser do mundo visível (...) a beleza,

esplendor do verdadeiro, acaba de nascer”. Assinaladas algumas pistas genealógicas e contornadas considerações que subjazem toda a experimentação formal dos modernistas

(inclusas aquelas que remetem ao grande legado do movimento romântico, qual seja, o de questionar e dissolver a própria aplicabilidade do conceito de gênero, já aludida aqui,

questão enriquecida tanto pelo formalismo russo quanto pelo círculo bakthiniano) estabeleçamos, para efeito da natureza do efeito que nos importa, o que, relacionado à

epifania, constitui categoria neste estudo e isso demanda alguma operacionalidade como a que busco, junto a Miguel Cardoso, quando afirma ser a epifania “(...) um

instrumento de revelação que suspende o devir e se destaca dele (...) momento efêmero [que] registrado – prende a atenção –(...) prolonga seu significado(...)e fornece nós

privilegiados de significado ao leitor”. A idéia topológica de “nós” remeter-nos-á a Lacan, isso é certo, à categoria do que denomina registro do real, por definição –

inapreensível (equivalente à coisa em si postulada por Kant) -, sobre cuja propriedade essencial, afirmava Lacan, “(o Real) não tem fissuras”. Afirmava até chegar a Joyce no

seminário de 2004 – “Sinthome”, no qual dedica um capítulo à idéia de um furo no real, pela proposta topológica de uma outra urdidura de nó, para dar conta da epifania.

Observe-se que, de extração freudiana (“das ding”), esse real, para Lacan – a coisidade da coisa, cuja materialidade falta na linguagem, ainda que não examinemos aqui o teor do

referido seminário, interessar-nos-á no exato momento em que, para a noção de epifania como efeito no leitor de um microconto, efeito este que parece atado ao registro do

simbólico, que é coextensivo à ordem da linguagem segundo o próprio Lacan, tentarei estabelecer a diferença entre a singularidade da experiência suscitada no leitor de

narrativa condensada ao extremo, e algumas das tantas formas de arrebatamento que a leitura de uma obra de arte provoca, em sentido amplo. Quando não, pelo menos, que se

observe o quão recente é o escopo de todo esse conjunto de postulações teóricas!

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[Publicado no grupo BMM* - Breves Motes a Microcontos, do Facebook - 69 membros - 'topos'
para o Fragmentália, no que tange à inserções, enquetes etc. Diagramação proposital]


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